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O Poço 2: Os Símbolos Ocultos e as Alegorias por Trás da Brutalidade

Atualizado: 16 de jul.

"O Poço 2" (The Platform 2), lançado em outubro de 2024, é um suspense dirigido por Galder Gaztelu-Urrutia. A história traz de volta a prisão vertical conhecida como "O Poço". Neste segundo filme, somos apresentados a uma nova protagonista, Perempuán, uma artista que se voluntaria para o poço com o intuito de refletir sobre um trauma envolvendo uma de suas exposições e uma de suas esculturas.


Enredo

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Encorajada pelo sacrifício de alguns de seus colegas mortos, Perempuán inicia uma revolta contra as regras rígidas que punem sem, de fato, atingirem o objetivo proposto. Juntando vários revoltosos, ela e o grupo expressam sua insatisfação por meio de atos violentos, devido a injusta distribuição de comida no Poço.

A sequência expande os temas do primeiro filme, explorando questões de desigualdade social e até críticas aos isolamentos forçados, como os da pandemia. No entanto, a narrativa apresenta um enredo um pouco confuso e a falta de desenvolvimento de personagens não ajuda a compensar a falta de impacto de originalidade presente no primeiro filme .

Numa primeira camada, ainda vemos a presença das questões de desigualdade social, capitalismo e sistemas opressores. Contudo, nesta sequência, o filme também introduz o fanatismo religioso associado ao poder. Assim como no primeiro filme, o segundo continua a trazer metáforas e simbolismos que complementam a mensagem direta da trama. E é isso que iremos tratara seguir.


Quais metáforas e quais símbolos?


O poço

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É um consenso que o lugar no filme, O Poço, é nada mais nada menos que uma alegoria para o sistema capitalista que rege nossa sociedade, no qual as pessoas no topo têm melhores condições, não só de alimentação, mas também de vestimentas, educação, saúde, etc. As que se encontram nas camadas mais baixas passam por privações de variadas formas, estando sujeitas à sujeira e até à morte por má alimentação. Em geral, os acontecimentos durante boa parte do filme servem apenas para situar o telespectador nesse conceito de camadas sociais e privilegiados, mas grande parte do simbolismo principal, diferente do primeiro filme, acontece do meio para o fim.

Ao perceber que o sistema e as regras não estão funcionando ao chegar nos andares mais baixos, como aparentavam funcionar nos mais altos, notamos que, assim como na nossa realidade, o filme mostra que o que vivemos em determinados grupos sociais, em "bolhas", não é a realidade de outros, e que algumas pessoas não se adaptam a regras ou culturas diferentes.

Mas por que isso acontece? Por que ninguém simplesmente segue as regras? Primeiramente, podemos comparar o Poço com a brincadeira "telefone sem fio", onde uma pessoa diz algo no ouvido de outra, e assim sucessivamente, até que a mensagem chegue ao final. Essa mensagem deveria ser a mesma do início, mas, conforme passa de interlocutor para interlocutor, ela se altera. No Poço, é a mesma coisa: conforme a mensagem é passada adiante, se altera e perde a força, deixando de ter influência sobre os ouvintes. Outra questão que colabora para a falha das regras de distribuição de comida no Poço é que a estrutura é falha — as camadas de baixo sempre ficarão sem comida.

Diferentes pessoas estão dentro do Poço: diferentes nacionalidades, idiomas, profissões e preferências alimentares. Quase como uma Torre de Babel, onde quase ninguém consegue se compreender.

A Plataforma e as Comidas

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A plataforma cheia das comidas escolhidas por eles, além de podermos interpretar como uma distribuição desigual de recursos e renda, também podemos vê-la como as oportunidades, empregos ou vagas em escolas, por exemplo, que temos direito e que queremos, mas muitas vezes são usurpados por outros, pelo simples pelo desejo de possuir, sem que tenham real necessidade. O simples fato de poderem pegar algo que não lhes pertence apenas por que podem, mesmo que não estejam necessitadas as agrada. Isso também leva ao desperdício, deixando os reais necessitados sem as oportunidades que precisam ou, pelo menos, o mínimo que gostariam para sobreviver.


Os Níveis do Poço

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É uma simbologia clara de como ocorre a organização da hierarquia social, com os níveis superiores sendo mais privilegiados e os inferiores condenados à escassez. Em nossa sociedade, não são apenas os ricos que podem ser privilegiados, mas também pessoas de determinadas raças, que vivem em certos bairros (muitas vezes chamados de nobres), ou que possuem conexões importantes, sobrenomes de famílias tradicionalmente ricas e influentes. Frequentemente ouvimos discursos sobre merecimento, mas esses argumentos podem se tornar frágeis ao considerarmos todas as variáveis a que estamos sujeitos para alcançar os “níveis superiores” e ter acesso, muitas vezes, ao mínimo.


Perempuán

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Segundo o próprio Google Tradutor, o nome Perempuán significa “mulher” em malaio. Isso é, em si, muito simbólico e pode ter uma relação forte dentro deste segundo filme que veremos adiante.


Se no primeiro filme acompanhamos uma revolução iniciada por um homem, que tenta trazer ordem a uma sociedade completamente desorganizada, sem um governo ou leis, neste segundo temos um extremo oposto: uma mulher lidera uma revolução contra um sistema cruel e totalitário, com regras muito rígidas que não resolvem de fato os problemas. Pelo contrário, tornam a vida tão ruim e desigual quanto a anterior.


E não apenas uma mulher, mas uma artista, que deixa de lado a civilidade e recorre à violência, se necessário.


O cão

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O cão é frequentemente citado durante o filme. É ele, em forma de escultura, que desencadeia a ida da protagonista para o Poço, quando sua figura animalesca e perigosa mata, por acidente, uma criança, e quando a decisão de se rebelar é acolhida.


Perempuán e sua colega de cela decidem descer os níveis em busca desse tal cão. Quando finalmente Perempuán o encontra, ele não é nada mais nada menos que uma pintura de um cão, ou seja, uma representação bem ao estilo Magritte. Mas o que o filme quer dizer com isso?


Tanto o cão escultura quanto a descida para encontrá-lo podem ser entendidos como uma busca, uma descida ao estado mais brutal, animalesco e selvagem do ser humano — algo que não é alcançado por escolha, mas por ser levado a isso através de acontecimentos, sofrimentos e pela negligência do governo em não fornecer algo básico como o alimento. A civilidade diante das necessidades básicas do ser humano desaparece, tornando as pessoas vulneráveis à violência e às soluções extremas que, em situações normais, não seriam cogitadas, como o canibalismo.


Esse lado animalesco já habita nas pessoas, sendo despertado apenas em estados extremos. Podemos chegar a essa conclusão ao observar que, antes mesmo de entrar no Poço, Perempuán já cria esculturas de aspecto grotesco, mesmo estando aparentemente centrada e equilibrada mentalmente.


As profissões

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São diversas as profissões dentro do Poço. A protagonista, Perempuán, deixa claro várias vezes sua relevância do lado de fora como uma artista famosa, com obras caras e prestigiadas. Outros também são pessoas de profissões louváveis ou nem tanto. Isso, dentro do Poço, parece pouco importar à primeira vista, mas, se formos considerar que suas vivências do lado de fora podem ajudar se souberem como aplicá-las naquele ambiente, alguns podem levar vantagem sobre outros — como boas habilidades sociais e a capacidade de manipulação em grupos.


Levemos em conta um fator importante: as profissões. Isso pode ser crucial para entender a metáfora como um todo no final dessa análise, ao citarmos o último nível.


As crianças

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Uma das grandes incógnitas do filme O Poço, tanto no primeiro quanto no segundo, é o surgimento de crianças. No primeiro filme, é dito que não existem crianças no Poço, já que, teoricamente, apenas adultos habitariam esse lugar, sendo feita uma seleção rigorosa para a entrada. No entanto, é mostrado que existem crianças que viveriam no último nível. Isso, por si só, já levanta questionamentos, pois seria impossível que elas sobrevivessem lá, visto que muitos níveis antes — mais ou menos nos níveis 100 — a comida começa a ficar escassa, ou simplesmente não chega nada.


Em alguns momentos no final do filme, é mostrado um lugar com várias crianças, brincando inicialmente em algum lugar, ou, ao meu ver, um Lugar Nenhum (ou non-place). A brincadeira entre elas evolui a ponto de se tornar uma briga para alcançar o topo de uma pirâmide, que é mostrada quase como um prêmio — o primeiro lugar. Ao vencedor é dada uma vaga no Poço, especificamente no nível 333. Você pode pensar: “Mas o Poço é um lugar extremamente brutal, ruim e violento.” Sim, ele é, e pior, o nível 333 é o pior lugar do Poço.

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Assistindo sem muito pensar, poderíamos confundir este Lugar Nenhum, onde habitam as crianças, com o lugar para onde Goreng leva a menina que resgata no primeiro filme, enviando-a como mensagem para cima, e onde Perempuán também leva o garoto que resgata, numa tentativa de se redimir pela morte causada por uma de suas esculturas. Porém, são lugares diferentes, apesar de parecidos.

O termo non-place foi popularizado pelo antropólogo Marc Augé para descrever espaços como aeroportos, rodovias ou centros comerciais, que são funcionais, mas não têm identidade histórica ou social — lugares que parecem existir sem realmente serem “lugares” no sentido tradicional.
O termo non-place foi popularizado pelo antropólogo Marc Augé para descrever espaços como aeroportos, rodovias ou centros comerciais, que são funcionais, mas não têm identidade histórica ou social — lugares que parecem existir sem realmente serem “lugares” no sentido tradicional.

O Lugar Nenhum e o fundo do poço

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Mas o que seriam, então, o Lugar Nenhum e o que podemos chamar de fundo do poço, para onde as crianças resgatadas vão?


Acredito que, até aqui, podemos compartilhar da ideia de que tanto Perempuán , Goreng, Trimagassi, entre outros personagens que “habitam” o fundo do poço, já estão mortos. Poderíamos chegar à conclusão de que não são algo tão banal quanto fantasmas. Não, eles seriam memórias. São memórias coletivas de uma sociedade, exemplos tanto bons quanto ruins, inspirações que costumamos seguir — como uma personalidade política importante, um cantor famoso, uma atriz que marcou sua geração, um filósofo, uma escultora?


Eles seriam memórias de pessoas que viveram na nossa sociedade e fizeram diferença, lutando e mudando o mundo ao seu redor, deixando sua influência que é perpetuada mesmo depois de sua morte, com seus exemplos e ensinamentos sendo seguidos por outros que ainda estão no poço (vivos e na sociedade). O fato de alguns deles resgatarem crianças do nível 333 e levarem-nas para cima como mensagem para os outros pode ser visto como exemplos, livros, pinturas, filosofias ou sacrifícios que podem influenciar uma nova geração ou pessoa que tenha contato com elas, levando-a a ascender dentro do poço, seja por meio de estudos ou profissões que essa pessoa venha a seguir. Afinal, quantas pessoas não se tornaram excelentes bailarinos, cantores e artistas inspirados em ícones do passado? Essa ideia ganha mais força ao vermos a personagem Perempuán comer uma obra de arte, uma pintura de cão que relembra o espectador da própria criação animalesca da artista. Esse consumo da arte a leva quase à morte no filme, mas uma morte metafórica que possibilita que Perempuán acesse o último nível e encontre uma criança, salvando sua vida. Afinal de contas, um artista, quando morre, acaba ficando ainda mais famoso e relevante para a história, alcançando públicos maiores.


Essa criança que sobe nada mais é que uma pessoa que teve a sorte de ser “resgatada” do nível 333 e ascender de alguma forma, com a interferência de uma artista e sua obra, para níveis mais altos socialmente.


Último nível 333

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Por que colocar crianças no pior nível do poço, sabendo que lá não chega comida?


Bem, quando nascemos, também não nos chega comida facilmente. Não conseguimos nos alimentar, nos limpar nem sobreviver sozinhos, sem a ajuda ou interferência de alguém para cuidar de nós e nos ajudar a alcançar, ano após ano, fases de nossa vida. O nascimento é o nível 333.


Não é incomum em algumas culturas que filhos indesejados sejam deixados para morrer em algum lugar. Isso é aceito se a mãe não quer criar a criança; porém, se ela deseja a criança, a leva para a comunidade e a cria até que a criança saiba se cuidar sozinha. É isso que acontece com as crianças deixadas no nível 333. Lá, não chega alimento, e é um lugar onde elas dependerão de alguém que as ajude a subir e acessar a sobrevivência. Sem ajuda, elas morrerão. A criança no nível 333 é um bebê que acabou de nascer, e isso ficará mais claro se analisarmos melhor o modo como ela chegou lá.


As crianças e a pirâmide

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Mais acima, foi dito que as crianças brincavam em volta de uma pirâmide e depois disputavam o topo dela. Indo direto ao ponto, ao analisar essa cena, podemos associá-la nada mais, nada menos que à corrida de espermatozoides pela chegada ao óvulo. Simples assim.


Outro ponto que reforça essa imagem é o próprio símbolo da pirâmide, que é associado à passagem da morte para a vida, construída pelos egípcios, que acreditavam em uma vida após a morte, para preservar os corpos dos faraós e seu legado, garantindo que seus nomes e feitos fossem lembrados durante muitos e muitos anos.


Ao final dessa disputa entre as crianças, em que apenas uma chega ao topo da pirâmide, uma luz a ilumina de cima, lateralmente, como se fosse a saída ou o próprio nascimento. Ao mesmo tempo, pelo chão, pessoas vêm para buscá-la e levá-la para o nível 333, o início de sua vida na sociedade. Incrivelmente, vemos nesse trecho a menina que, no primeiro filme, é salva e enviada como mensagem para cima na plataforma.


Considerações finais


O filme O Poço teve uma boa repercussão no momento de lançamento pré-pandemia, refletindo o aprisionamento, o racionamento de alguns alimentos e produtos, além da sensação de morte iminente. Atualmente, os cenários de guerra, protestos e revoluções trazem uma nova perspectiva para as alegorias do segundo filme em relação às estruturas sociais e à convivência entre pessoas com opiniões divergentes. Algumas questões ainda permanecem sem resposta dentro do universo de O Poço, e talvez tenhamos uma terceira parte para esclarecer, corroborando ou não o que investigamos até aqui.


Referências


GAZTELU-URRUTIA, Galder (Diretor). O Poço 2. Espanha: Netflix, 2024. 120 min. Filme. Disponível em: https://www.netflix.com. Acesso em: 06 out. 2024.


O LIVRO dos símbolos: reflexões sobre imagens arquetípicas. Colônia: Taschen, 2010. 808 p. Traduzido por Marco A. Rollemberg.

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